Marcha das Margaridas: uma semente que germina há duas décadas

Os 20 anos do evento mais importante para as mulheres do campo, da floresta e das águas não foi ofuscado pela pandemia. Virtualmente, no último dia 12, um ato comemorativo foi realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) nas redes sociais pelos 20 anos da Marcha das Margaridas. Em todas as regiões do Brasil, a distância não foi obstáculo para relembrar a história de Margarida Alves e celebrar a luta e resistência de Margaridas em todo o Brasil que seguem em defesa de seus direitos. O Espaço Feminista (EF) também presta homenagem a todas as Margaridas que eternizam Margarida Alves relatando aqui as experiências de mulheres do campo e da cidade, integrantes do EF, que já se uniram em idas à Marcha.

A trabalhadora rural, Silvia Josefa, liderança feminina no município de Riacho das Almas, no Agreste pernambucano, já viveu a experiência de participar da Marcha três vezes, nos anos de 2011, 2015 e 2019. Integrante de movimentos sociais que lutam pelos direitos das mulheres há pelo menos 33 anos, Silvia recorda a história de Margarida Alves com orgulho: “Margarida Alves lutou pelos nossos direitos, depois que o sangue dela foi derramado ele germinou. Porque existem margaridas não só aqui no Brasil, mas em outros países. A marcha nos traz visibilidade. É na Marcha que trabalhadoras rurais se unem a mulheres quilombolas, extrativistas, das águas e das florestas. São mulheres de todo o mundo reunidas”.

Silvia Josefa também lembrou que a Marcha de 2019 foi uma experiência única. O encontro com mulheres indígenas que marcharam pela primeira vez em Brasília foi emocionante. Principalmente diante de uma expectativa de repúdio a Marcha das Margaridas por parte do governo Bolsonaro. “Em 2019, levaríamos 90 mulheres da nossa região para a Marcha. Mas, pouco antes da viagem, 15 desistiram com medo de que o governo Bolsonaro agisse com truculência”, relembrou. Para este ano, Silvia reforçou a luta. “Apesar da pandemia, a Marcha não foi esquecida. Virtualmente estivemos em contato com outras mulheres e seguiremos juntas até que todas sejam livres”, finalizou.

Já Juliana Barbosa de Lima, liderança conhecidíssima da comunidade Ponte do Maduro, em Santo Amaro, área central do Recife estreou na Marcha das Margaridas no ano passado. Para ela, desde a viagem a experiência já foi marcante. “Foi uma experiência enriquecedora desde a viagem ter contato com mulheres que também saem a luta pelos nossos ideais. Caminhar até o planalto com mulheres com garra, a gente não sentia nem cansaço, o peso do sol, foi surreal estar na marcha das margaridas. Só quem vive a marcha é que pode descrever como é estar lá. Porque nós vamos para a marcha para lutar pelos nossos ideais, para pedir melhoria na sua área, na sua luta, parecia que eu estava dentro de um filme”. Outro momento emocionante para Juliana da Ponte do Maduro na Marcha de 2019 foi o discurso das mulheres. “Ver milhares de mulheres reunidas, lutando, cada uma representando uma bandeira e ouvir o depoimento das mulheres que discursavam foi emocionante, E ter vivido a Marcha das Margaridas foi uma coisa muito importante na minha vida, e esse ano, mesmo não tendo a marcha por conta da pandemia, nós somos margaridas”, destacou.

Mariana Vilarim, voluntária, também estreou na Marcha das Margaridas, assim como Juliana da Ponte do Maduro, em 2019. O relato dela sobre a Marcha é emocionante. “Nos encontramos na rodoviária de Caruaru e lotamos alguns ônibus que seguiram rumo a Brasília. Mulheres e mais mulheres se locomovendo, em conjunto, seguindo um mesmo objetivo: o de protestar contra as violências de estado que se materializam, sobretudo, nos espaços rurais do país. Éramos estudantes, professoras, agricultoras, artesãs. Todo mundo parecia ter o mesmo grito entalado na garganta, todo mundo parecia ter a mesma vontade de dizer que os retrocessos do governo Bolsonaro encontrariam resistência nas cidades, nos bairros, nas comunidades e em nós. Era uma profusão de mulheres que sabiam o que queria e que sabiam, sobretudo, o que não queriam. Você se emociona e se arrepia o tempo todo e grita o mais alto que pode. Eu confesso que nunca tinha visto tanta gente reunida na vida. E tanta gente corajosa”.

Proporcionar que mulheres como Silvia e Juliana representem as mulheres do campo e da cidade na Marcha é uma honra para o Espaço Feminista. E para as mulheres que tomam a frente dessa organização a experiência também é única. Patricia Chaves, diretora do EF, é experiente quando o assunto é Marcha das Margaridas até por estar à frente da luta pelos direitos das mulheres. Para ela, desde a primeira edição do ato, cada um teve um feito especial. Mas a do ano passado vai ficar na história por reunir mais de 100 mil mulheres com objetivos únicos de resistir ao retrocesso e se fortalecer na luta por direitos. “Estar na primeira marcha com o governo Bolsonaro e se juntar a mais de 100 mil mulheres depois da queda da presidenta Dilma foi histórico. Era fundamental o Espaço Feminista participar. Além disso foi a primeira marcha em que nos encontramos com as mulheres indígenas. A marcha é um ato simbólico de uma unidade na luta. E na Marcha de 2019 não podemos esquecer da tensão que foi chegar a Brasília diante do clima de terrorismo do novo governo. Mesmo assim esse clima não amedrontou as mulheres e conseguimos a marca de reunir milhares de margaridas”.

SOBRE A MARCHA DAS MARGARIDAS – As propostas debatidas na Marcha são trabalhadas em quatro anos nas cidades junto com movimentos populares, sindicatos e federações, e todas as organizações sociais que lutam pelo direito da mulher trabalhadora rural. Em 2015 muitos direitos foram aprovados e conquistas importantes tanto para as trabalhadoras rurais como para as mulheres urbanas foram definidas. Mas, com o governo Bolsonaro, muitos desses direitos conquistados retrocederam ou foram perdidos. E, em 2019, a realização da Marcha reunindo mais de 100 mil mulheres, com a primeira participação das indígenas foi o basta para cessar a perda de direitos.

SOBRE MARGARIDA ALVES – Margarida Maria Alves foi uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país. Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, foi responsável por mais de cem ações trabalhistas na justiça do trabalho regional, tendo sido a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba durante a ditadura militar. Na Paraíba, ela foi a precursora na defesa dos direitos dos trabalhadores do campo. Se tornou Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na PB em 1973, aos 40 anos. Margarida Maria Alves foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983, na época com 50 anos, com um tiro de uma espingarda de calibre também 12, no rosto, na frente de sua casa, em Alagoa Grande, Paraíba (PB). A militante já vinha recebendo uma série de ameaças de morte por telefonemas e cartas, mas, foi naquela tarde de agosto que Margaria foi alvejada no rosto ao atender a porta – enquanto seu marido a acompanhava e seu filho de 8 anos brincava na calçada – que as ameaças realmente se concretizaram. O crime teve grande repercussão nacional e internacional, chegou a ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Dois anos depois de sua morte, o Ministério Público denunciou três pessoas que poderiam estar associadas ao crime: Antônio Carlos Regis, visto como um ponto focal dos fazendeiros da região e os irmãos Amauri e Amaro José do Rego, que teriam sido, de fato, os executores. Em 1988, três anos após a denúncia realizada pelo Ministério Público, Antônio Carlos Regis foi absolvido por falta de provas. Em 1995, o Ministério Público realizou uma nova acusação de outros fazendeiros como mandantes do assassinato: Aguinaldo Veloso Borges, Zito Buarque, Betâneo Carneiro e Edgar Paes de Araújo. Apenas Zito Araújo passou pelo processo, ficou preso durante três meses e, em 2001, foi absolvido. O crime político nunca foi resolvido.

*História de Margarida Alves, fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Margarida_Maria_Alves)